Em novembro de 2015, Adriana Melo, médica da maternidade do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea) e professora universitária em Campina Grande, não se limitou a anunciar a duas de suas pacientes o resultado da ultrassonografia que confirmava que os bebês que estavam esperando tinham grave sequela – a microcefalia.
As mães, de 16 e 18 anos, ambas do interior do estado da Paraíba, não apresentavam nenhuma das condições que em geral provocam a doença no embrião. Diante da tristeza e desespero das jovens e sem ter o que dizer para aliviar a dor de suas clientes, decidiu envolvê-las na busca da resposta solicitando que se submetessem ao exame do líquido amniótico. Retirou e enviou o material para o laboratório da Fundação Oswaldo Cruz que confirmou a presença do vírus zika. Pela primeira vez confirmou-se laboratorialmente a relação entre o vírus zika transmitido pelo Aedes Aegypti e a microcefalia. Esta é a mais forte hipótese para o aumento assustador do número de crianças nascidas com microcefalia na Paraíba e no Nordeste em geral, principalmente em Pernambuco.
Adriana Melo é cautelosa em relação à sua descoberta e diz que é preciso combater a causa do mal, ou seja, a proliferação do mosquito Aedes Aegypti. Perguntada sobre o que seria necessário para comprovar definitivamente a relação entre o zika e a microcefalia disse: “Mais verbas para a pesquisa.” Adriana tem toda a razão. Está na hora de se investir pesadamente na pesquisa não só da doença e da vacina para imunizar a população, mas também no desenvolvimento de testes para detectar o vírus.
Esta semana a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou emergência mundial por microcefalia. Diferentemente da epidemia de Ebola, quando demorou a se posicionar, a OMS agora mobilizará recursos para o combate ao novo surto. Esta declaração é uma esperança para o mundo, porque possibilitará criar redes de cientistas envolvidos com as pesquisas relativas ao vírus zika, e para o Brasil, porque agilizará as pesquisas relacionadas ao mesmo problema. A TV Cultura em seu programa Roda Viva desta última segunda-feira, dia 1º de fevereiro, realizou um painel que abordou questões centrais sobre o vírus.
O Brasil é o país de maior incidência de casos. A epidemia, que trará danos irreversíveis aos bebês infectados ainda no ventre materno, é ainda mais grave aqui pelo abandono do Estado. Falta-nos estrutura para lidar com crianças com que apresentam malformações. Como disse a superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Ibid) em artigo do dia 31 de novembro último no jornal O Globo: “O Brasil não tem política pública que possibilite o atendimento adequado a crianças com deficiência, muito menos àquelas com deficiências graves”.
Há pouquíssimos centros de reabilitação e, em geral, são filantrópicos. Já devíamos ter instituições voltadas para atendimentos especiais antes mesmo da propagação do novo surto que se abateu sobre nós. Muitas crianças nascem com graves problemas neurológicos e sequelas gravíssimas e a responsabilidade por sua reabilitação e cuidados é colocada sempre nos ombros da família, sobretudo, das mães que ficam em total desamparo por falta de apoio do Estado.
A epidemia levanta também a gravíssima questão da criminalização do aborto. As mães infectadas pelo vírus infelizmente não terão a oportunidade de optar pela interrupção da gravidez se for detectada a má-formação do feto, procedimento possível na geração de fetos anencefálicos.
Porém, a microcefalia, com raras exceções, causa severos e irreversíveis danos ao cérebro, e as mães deveriam ter o direito de decidir se querem ou não parir um bebê com tamanhas limitações. Vamos apoiar o movimento liderado por advogados, acadêmicos e ativistas que preparam uma ação ao STF para pedir o direito ao aborto em gestação de bebês com microcefalia.
A epidemia causada pelo vírus zika chega justamente no momento em que vivemos uma das maiores crises na área da saúde no País. Crise produzida pela cupidez de nossos dirigentes, pela falta de honradez dos que comandam a política de Saúde, pela imensa irresponsabilidade dos políticos, e a desorganização geral dos serviços públicos.