O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, pediu nesta sexta-feira (29), em reunião da comissão do impeachment do Senado, a suspeição do relator da comissão, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). O pedido, porém foi negado.
O argumento usado por Cardozo para pedir o afastamento do senador tucano da relatoria era de que há ligações dos autores do pedido de impeachment com o partido de Anastasia, o PSDB, principal partido de oposição.
O pedido de suspeição foi negado pelo presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB). Lira afirmou que a comissão já havia negado pedido semelhante contra o relator feito por senadores da base do governo. Na ocasião, a comissão entendeu que como o próprio Anastasia não é autor do pedido do impeachment, não haveria impedimento para ele ocupar o cargo.
A Lei do Impeachment diz que o pedido de impedimento deve ser apresentado por cidadãos brasileiros, e não pode ser apresentado por partidos políticos. Com base nesse argumento, a maioria dos senadores da comissão descartou a suspeição contra Anastasia.
Lira também afirmou que nesta fase do processo do impeachment apenas os senadores poderiam apresentar requerimentos à comissão.
Na reunião da comissão na quinta-feira (28), a advogada Janaína Paschoal afirmou ter recebido R$ 45 mil do PSDB para elaborar um parecer sobre se seria possível um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Janaína também afirmou que foi convidada para elaborar o parecer pelo jurista Miguel Reale Junior, ex-ministro do governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) e filiado ao PSDB.
Ontem, Janaína afirmou que cobrou pelo estudo justamente por não ser filiada ao PSDB. Ela disse que elaborou um estudo sobre se haveria possibilidade para a apresentação de um pedido de impeachment contra Dilma, mas reforçou que não foi contratada para apresentar o pedido.
A advogada chegou a criticar o PSDB por ter apoiado “tarde” o pedido de impeachment apresentado num primeiro momento por ela e pelo jurista Hélio Bicudo — Reale e Janaína assinam a denúncia do impeachment junto com Bicudo.
“Se isso acontece com os subscritores da denúncia, não pode alguém do mesmo partido relatar esse processo. Há uma suspeição objetiva, independentemente das condições pessoais, da honorabilidade do nobre senador Anastasia”, afirmou Cardozo.
Em sua manifestação, Janaina negou veementemente ter ligações com partidos politicos.
Fatores para rejeição
O ministro Cardozo listou três novos fatores de por que, na visão da defesa, a denúncia do impeachment contra Dilma deve ser rejeitada.
Ele afirma que os deputados não poderiam ter anunciado seus votos, a favor e contra o impeachment, antes da votação na Câmara, porque isso fere a imparcialidade do processo. Ele citou, inclusive, os placares diários divulgados por meios de comunicação, contabilizando os votos.
O advogado-geral também apontou que partidos orientaram o voto e fecharam questão sobre o impeachment. O PP, por exemplo, definiu o voto a favor do impedimento e ameaçou de expulsão os deputados que votassem de maneira contrária. “O voto do parlamentar é de consciência, não é partidário. Não pode haver fechamento de questão nem orientação partidária”, afirmou Cardozo.
O ministro disse que essas decisões, que invalidariam a denúncia, são da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte.
Por fim, Cardozo defendeu que o que é dito pelos parlamentares na hora do voto fica vinculado à decisão, e muitos justificaram seu voto citando questões que não estavam na denúncia original, que é sobre as chamadas pedaladas fiscais e os decretos suplementares.
“Votou-se por tudo: pela Lava Jato, pela solidadriedade. Votou-se por vários fatores”, disse Cardozo. Ele defende que isso viciaria o processo, e o tornaria nulo.
O que já foi dito na comissão do Senado
Antes de Cardozo, falaram nesta sexta-feira em defesa da presidente Dilma Rousseff os ministros Nelson Barbosa (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura).
Ontem (28), a comissão ouviu os autores da denúncia do impeachment, o jurista Miguel Reale Junior e a advogada Janaína Paschoal.
Reale reforçou o argumento de que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade na prática das pedaladas fiscais e ao editar seis decretos de abertura de crédito orçamentário.
Segundo Reale, as pedaladas foram uma forma de maquiar o rombo nas contas públicas e um tipo de empréstimo proibido por lei feito dos bancos públicos ao governo.
“Nunca antes na história do Brasil houve volume e quantidade extraordinária, por tempos tão longos, de operações de crédito com um cheque especial que foi sendo feito pelo governo junto às suas instituições, às instituições financeiras que ele controla, o que, aliás, é proibido pela Lei dos Crimes Financeiros”, disse.
As pedaladas são como ficou conhecido o atraso nos repasses do governo a bancos públicos, o que foi entendido pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como uma forma proibida de empréstimo dos bancos ao governo. Com o atraso nos repasses, os bancos tinham que arcar momentaneamente com recursos próprios o pagamento de programas federais como o Bolsa Família, seguro desemprego e empréstimos a juros mais baixos para investimentos empresariais.
Sobre os decretos de abertura de crédito, Reale afirmou que existe crime de responsabilidade porque eles foram editados pela presidente sem a autorização do Congresso Nacional, num momento em que havia dificuldade para cumprir a meta fiscal (economia para pagar juros da dívida pública).
“A infração existe, porque não houve autorização das Casas legislativas”, disse. “Se houver autorização legislativa, pode haver, mas, sem autorização legislativa, é infração”, afirmou o jurista.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) rebateu os argumentos de Reale. Para o petista, como o cumprimento da meta fiscal só é determinado no fim do ano, não houve crime na edição dos decretos, pois o governo conseguiu reduzir a meta fiscal daquele ano por meio de projeto aprovado pelo Congresso Nacional.
“E quanto a esse princípio da anualidade das metas fiscais, professor, isso está em todo livro de direito que discute o tema. As metas são anuais, professor. É um equívoco gigantesco”, afirmou Lindbergh.
O senador também disse que o entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União) até 2015 era de que ao enviar projeto de lei alterando a meta fiscal o governo já estaria autorizado a trabalhar com a nova meta.
A denúncia do impeachment sustenta que Dilma editou os decretos depois de ter enviado ao Congresso o projeto para reduzir a meta. O que provaria que a presidente ampliou a previsão de gastos num momento em que sabia que não iria conseguir atingir a meta fiscal estabelecida.
Na próxima semana a comissão do impeachment deve ouvir especialistas convidados pela acusação e pela defesa.
O parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) será apresentado na próxima quarta-feira (4), e votado na sexta-feira (6). Ele deverá opinar sobre se há elementos para a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma.
Depois de passar pela comissão, o plenário do Senado delibera novamente sobre o tema. É preciso maioria entre os 81 senadores para que o processo seja aberto e a presidente afastada.