A teologia resolveu, mas não sem metástase, a sua singular racionalidade, aceitando como saber (conhecimento) a envolvente questão da vida eterna. O saber, aqui, é só crença, dispensando a verdade e a justificação.
Em diáspora com os empiristas e os racionalistas dogmáticos, Kant expressava que se a razão não passasse de uma faculdade dos meios, não se percebe de que modo dois gêneros de fins poderiam opor-se no homem, como espécie animal e como espécie moral.
Exemplifica o filósofo: deixo de ser uma criança do ponto de vista da Natureza quando me torno capaz de ter filhos; mas sou ainda uma criança do ponto de vista da cultura, já que não possuo ofício, que me falta aprender tudo (Deleuze).
Mas, então, com a razão em seu lugar kantiano, há ou não vida eterna? Ou mesmo várias vidas em sucessivos processos de (re) encarnação?
Brincando com coisa séria, em “reacionária” ironia, Nelson Rodrigues espanca da dúvida, os males: “Se não há vida eterna, a morte está tão degradada que o menino assassinado passa a valer tanto quanto o cachorro atropelado ali, na Praça Onze” (O Globo, 24/12/1971).
A moral religiosa nos dá a certeza da vida eterna, ao contrário da Filosofia, que vive a desconfiar e confiar na razão, num frenesi teórico próprio da inquietação universitária.
De toda sorte, certo talvez estivesse Pascal, ainda no século XVII, ao afirmar que “O coração tem razões que a razão desconhece”.
Se razão é o nome que damos à consciência intelectual e moral (Chaui), quem a tem num contexto mais denso, portanto, mais talhado pelo que chamam de reflexão, não se libertou, ainda que os ateus neguem, da infeliz crença na finitude da alma como a lhes torturar em visão da tragédia da vida, a certeza da morte. São os cientistas da objetividade, que se autoflagelam pela vaidade acadêmica.
Felizes os que não viram, mas creram, já profetizava Deus, feito filho. Enxergar pelos sentidos é prato a ser devorado pelos empiristas, mas nunca pelos racionalistas cristãos.
Feliz é pelo que ainda não se entende, mas crê pelos mistérios da verdade justificada pela fé. Neste propósito, crença e fé se igualam. É o saber sem proposição amparada na verdade e justificação científica.
Esse é um ambiente de mágica cultural, herdado, que traz mais sentido à existência. Se infinito o são os números, as estrelas, o universo de bilhões de anos, porque teimar em aceitar a finitude da alma?
A poesia da vida não se cala nos sentidos do corpo, pois, do que é perfeito e infinito somente decorrem atributos iguais, ainda que gerados não o tenham sido, singularidades próprias Do Filho, mas criados.
Epicuro em dose sábia – “Honrai os deuses com a religião legada por vossos ancestrais”-, que para alegria dos “escolhidos” ou dos que escolheram, se tornou em uma só face. É por aí…
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito em Cuiabá.