Não existe nada mais sublime e encantador que uma criança. Como anjos, estão no mundo a observar, aumentando, assim, a responsabilidade dos adultos. Os pequenininhos, de doçura no olhar, sem maldade, totalmente dependentes, à espera de formação e desenvolvimento no mundo.
Não pediu, nasceu, e agora em silêncio ensurdecedor, de ousadia discreta, fala com os olhos a exigir explicação. Qual o legado que a eles se destina? No dia a dia se depara com situações em que a mentira ou a má fé são utilizadas no intuito de se escapar de uma explicação ou esclarecimento que, aos olhos do adulto, não se deva dá-la a uma criança.
E isso é terrível, notadamente pela análise da contradição em que se reveste. Explico. Sartre define a consciência como ‘um ser para o qual, em seu próprio ser, ergue-se a questão de seu ser enquanto este ser implica um outro ser que não si mesmo’ (O Ser e o Nada).
Vale afirmar, a alteridade é importante na consciência, pois, implica um ser que não o ser de si mesmo. A consciência, assim, surge como um ‘não’, um nada, que a outra realidade humana projeta como sua possibilidade. Pensa, por exemplo, na obediência de uma criança a um chamado (moral) paterno. A consciência do infante opera de forma negativa, como um nada, um ‘não’. A operação aqui é transcendente, mas captada de forma subjetiva até pelo temor reverencial.
Na mentira, o mentiroso está completamente a par da verdade que esconde. Ela se dirige a outrem, no caso à criança. A má fé do ascendente que a pratica está no fato que ele esconde a verdade de si mesmo, e ela não o absolverá das consequências da mentira praticada. Por isso a famosa pergunta: onde foi que eu errei? Cada um tem sua história individual, carregando-a de uma complexidade implacável, e o ser em essência será suas tendências, seus complexos, seus instintos etc.
A mente faz seu corpo padecer, ainda que se acredite, como para alguns filósofos, em especial os de formação teológica, que ela esteja na alma. Os pais são donos de um segredo, o segredo do que é a criança.
‘Sou possuído pelo outro; o olhar do outro modela meu corpo em sua nudez, causa seu nascer, o esculpe, o produz como é, o vê como jamais o verei’ (idem, Sartre). A responsabilidade não pode ser imputada a terceiros; se ‘é’ o que se apreendeu na estrada da vida, e essa fórmula têm como multiplicadores os conviventes mais próximos, além do próprio eu como sujeito cognoscente de um universo cognoscível, em parte, cheio de fantasia, amor, compreensão, mas também de realidade, crueldade e indiferença.
Com Agostinho: ‘Ai de mim, que nem ao menos sei o que ignoro!’(Confissões), ai de ti, que não sabe que sua moral transcende. É por aí…
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito.