No artigo anterior, procurei desnudar a falta de consistência legal e orçamentária das três principais propostas do candidato Emanuel Pinheiro: a conclusão do VLT sem qualquer recurso à vista, o aumento de carga de trabalho médico e congênere sem qualquer viabilidade orçamentária e, finalmente, o reforço na segurança pública municipal, invadindo atribuição constitucional do Estado de Mato Grosso.
É preciso esmiuçar uma a uma as propostas às quais denominei de “miragens” para que não haja dúvidas de que meu ponto de vista não se restringe apenas à preferências partidárias e sim coordena-se à responsabilidade que o candidato deve ter ao fazer propostas durante a campanha.
Gostaria de sublinhar o PL 222/2014 que conta com um substitutivo integral de iniciativa do deputado Emanuel Pinheiro. Vejamos os trechos mais importantes do projeto que possibilitaria o uso de policiais militares por Cuiabá: art. 1 – Fica o Poder Executivo permitido, a celebrar Termo de Cooperação com os municípios deste Estado, incumbindo esses de concederem Indenização por Desempenho de Atividade Delegada, a ser paga mensalmente aos integrantes da Secretaria de Estado de Segurança Pública que exercerem atividade municipal delegada ao Estado de Mato Grosso; art. 3 – O valor da Indenização por Desempenho de Atividade Delegada será estabelecido de acordo com as disponibilidades orçamentárias e financeiras dos municípios e aceite da Secretaria Estado de Segurança Pública. Parágrafo único – O valor mensal da Gratificação por Desempenho de Atividade Delegada corresponderá à quantidade de horas despendidas pelos integrantes da Secretaria de Estado de Segurança Pública”. Eis o que importa do PL 222/2014.
O que o projeto deixa de dizer é muito mais importante do que o que diz. Pela ótica do deputado Emanuel Pinheiro, o policial de folga que se inscrever no programa, poderá ganhar de duas fontes públicas de renda simultaneamente. Essa medida contribuiria para aumentar a segurança pública de Cuiabá.
Pois bem. Há, pelo menos, 12 problemas de ordem prática nas intenções do candidato: 1) a qual cadeia de comando o policial militar obedece durante o tempo disponibilizado à prefeitura?; 2) as patentes recebidas serão mantidas durante o lapso de trabalho municipal? 3) a diferença salarial entre uma e outra patente será observada no decurso do convênio? 4) onde os militares de serviço em favor de Cuiabá irão se aquartelar? 5) de quem será a responsabilidade caso ocorra um confronto entre policial militar e cidadãos, no lapso da prestação de serviço para o município? 6) quem pagará indenização ao policial, caso ocorra um caso que o leve à invalidez, no período de trabalho municipal? 7) o tempo de serviço prestado para o município conta pontuação para a progressão estadual? 8) o tempo de serviço em Cuiabá é contabilizado para efeito de aposentadoria estadual? 9) o policial militar poderá usar a farda estadual no serviço municipal? 10) quem pagará farda e coturno ao policial militar inscrito no programa? 11) o policial militar que aumenta a carga horária não ficará sobrecarregado e terá um desempenho inferior? 12) o policial militar poderá andar armado no serviço municipal?
Como já tive oportunidade de comentar, os projetos dos candidatos precisam ser minimamente factíveis. Tudo indica que o deputado Emanuel Pinheiro tem ótimas intenções para a cidade em que nasceu. Mas, do ponto de vista constitucional, orçamentário, administrativo, as iniciativas propostas nesta campanha compõem um enorme barco furado e sem rumo.
O contribuinte cuiabano pagará uma aventura em termos de segurança. É certo que haverá mais policiais nas ruas. Mas a que custo? De que forma se organizariam? Poderiam usar armas? Podemos pagar essas despesas complementares? A guarda municipal trabalharia em conjunto? Quem é responsável pelo treinamento? Os policiais militares não ficariam esgotados com o trabalho triplicado?
Um último apontamento que é caro aos militares: como fica a questão correcional-disciplinar no lapso de trabalho municipal: aplica-se a disciplina castrense ou haverá outro estatuto?
O policial será processado na justiça competente ou na comum? São questões que precisam ser respondidas em vez de simplesmente colocadas como se fossem soluções.
O próprio PL 222/2014 é muito fraco em termos de técnica legislativa. Toda essa bravata pode convencer a população carente de segurança pública num programa de televisão, mas as pessoas responsáveis que devem se debruçar sobre as leis e a regulação administrativa desse tipo de convênio não são contaminadas do populismo que pode comprometer, a um só tempo, a cadeira de comando estadual e o orçamento público municipal. Salvem a PM de Mato Grosso dessa aventura!
Eduardo Mahon é advogado em Cuiabá (MT).