Um vazio legal, a falta de controles e a busca por benefícios econômicos fizeram da Eslováquia, pequeno país no centro da Europa, um dos principais fornecedores do mercado negro de armas, ao qual recorrem desde terroristas islamitas até a máfia italiana. A pistola Glock 17 usada em julho para balear dez pessoas em Munique e o fuzil AK 47 que um terrorista usou para tentar cometer um atentado em 2015 no trem que fazia a rota Amsterdã-Paris são algumas das armas de origem eslovaca que um dia foram vendidas legalmente.
Uma recente investigação da rede jornalística Colaborações de Investigação na Europa (EIC) informa que algumas armas usadas nos atentados de Paris de janeiro de 2015 também foram adquiridas legalmente no país. Até o ano passado, a legislação eslovaca permitia que antigas armas, muitas provenientes de extintos arsenais do Exército checo, pudessem ser vendidas legalmente após terem sido inutilizadas para que não pudessem disparar munição real.
Em muitos casos, a técnica é extremamente frágil, algo fácil e econômico de reverter para que a arma volte a ser perfeitamente operacional e letal. “Gente do mundo todo está furiosa porque a Eslováquia está operando uma liquidação on-line de armas”, denunciou recentemente o ativista eslovaco Martin Debeci em declarações ao jornal The Slovak Spectator.
Legislação defasada — Desde sua entrada na União Europeia (UE), em 2004, a Eslováquia tinha uma regulação defasada sobre a inutilização de armas de fogo. A gravidade era tal que a polícia eslovaca advertiu à UE em setembro de 2013 sobre a facilidade com que as armas podiam ser compradas — sem obrigação de serem registradas — e reativadas. No entanto, o alerta eslovaco se perdeu na burocracia comunitária e nada foi feito para controlar a venda e uso dessas armas desativadas.
A advertência eslovaca citava como exemplo o rifle automático Ceska vz.58. Duas dessas armas foram usadas pelo terrorista Amedy Coulibaly para matar quatro pessoas em um supermercado judaico em Paris em janeiro de 2015, dois dias depois do massacre na redação da revista satírica Charlie Hebdo.
Esses rifles, fabricados na década de 1960, tinham sido inutilizados como arma de fogo pela empresa eslovaca Kol Arms. O terrorista islamita os adquiriu depois em uma loja situada na cidade de Partizánske. Segundo investigação das autoridades alemãs, esta mesma loja eslovaca vendeu cerca de 14.000 dessas armas inutilizadas, principalmente pela internet.
Nova lei — Os recentes atentados em vários países europeus forçaram o governo eslovaco a aprovar uma nova legislação, em vigor desde o último dia 1º de janeiro. Agora são exigidos métodos mais complexos e caros de reverter para inutilizar as armas e que os compradores as adquiram de forma registrada e pessoalmente, acabando assim com a venda on-line. A nova legislação obriga também que se evidencie toda a vida da arma até sua liquidação e o trâmite para sua inutilização, algo que deve estar confirmado por um escritório estatal eslovaco.
Mas mesmo com a nova lei, há ainda muitas armas em poder de lojas e comerciantes que as negociam no mercado negro. Recentemente, autoridades descobriram que a venda à Arábia Saudita de 40.000 fuzis de assalto tchecoslovacos, que era Exército e estavam inutilizados por serem modelos antigos. Levando em conta que o país árabe tem um dos exércitos mais modernos da região, é duvidoso que vá ficar com esses equipamentos, alertaram especialistas. Segundo Debeci, essas armas poderiam cair em mãos de grupos radicais como o jihadista Estado Islâmico (EI).