Noticia-se que a chamada “Bancada Evangélica” cresceu nessas eleições municipais, com um aumento de mais de 30% na eleição de “pastores”; “bispos”, “apóstolos” e outros.
Geralmente, as posições desse segmento, embora não unânimes, são conhecidas: articula-se contra temas como igualdade racial e de gênero, direito ao aborto, eutanásia e casamento entre pessoas do mesmo sexo, além de também se opor à criminalização da violência e de homossexuais, bissexuais e transexuais e de castigos físicos impostos por pais aos filhos, família etc.
Hoje, o Congresso conta com 75 deputados federais e três senadores evangélicos. É a maior bancada evangélica da história. Assim, uma pauta dita “conservadora” ou de “direita” como assinalam cientistas políticos, alcança um eleitorado fiel, pois toca em temas que lhe são caros, como, por exemplo, o medo de perder a família é grande entre os fiéis, porque na maior parte das vezes eles têm uma origem mais humilde, em que questões como violência, alcoolismo e pobreza colocam em risco a unidade familiar.
Ou seja, primordialmente eles se sentem ameaçados por questões práticas do dia a dia; daí, a adesão, muitas vezes, impensada, a discursos fundamentalistas de redenção da pátria e dos valores que lhe são caros. O frequentador de uma congregação evangélica acaba votando no pastor, ou em quem o pastor indica, mais por um sentimento de “votar no candidato da comunidade” do que por qualquer outro motivo.
Esse tipo de comportamento, contudo, não é uma regra entre todos os evangélicos, principalmente, entre os chamados “tradicionais ou históricos”- protestantes, batistas, metodistas. Eduardo Cunha talvez seja o mais conhecido evangélico na política e acabou como todos sabem. Jair Bolsonaro – sem dúvida de um fascismo a toda prova, foi batizado recentemente no Rio Jordão, em Israel.
Homens de terno e mulheres de saia com a Bíblia na mão vão enchendo o auditório. Alguém regula o som do violão e dos microfones. A música que celebra “júbilo ao Senhor” estoura nos alto-falantes, e a audiência canta junto. Em um púlpito no palco, os pastores abrem o culto com uma oração fervorosamente acompanhada pelos fiéis. Uma descrição comum de um culto evangélico não fossem os pastores, deputados, falando de um o púlpito improvisado no plenário Nereu Ramos da Câmara dos Deputados de um país laico chamado Brasil.
E se o (até então) presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), anunciado do púlpito ao entrar no recinto pelos pastores João Campos (PSDB-GO) e Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ), e aclamado como um “grande e fiel irmão”.
O Deputado Campos é autor do projeto de lei apelidado de “cura gay” e defensor destacado da redução da maioridade penal, como a maioria da chamada “bancada da bala”. O Brasil parece mergulhar em uma tensão social sem precedentes por conta de disputas ligadas à religião, com crescimento de fundamentalismos e intolerância.
Gritos de “viva Jesus Cristo” e um Pai-Nosso generalizado marcaram uma conturbada sessão da Câmara em junho, logo depois da realização da Parada Gay de São Paulo. Dias depois, uma menina de 11 anos foi apedrejada ao sair de um culto de candomblé, no Rio de Janeiro. Pouco antes, um deputado propôs emenda constitucional alterando o texto que diz que “todo poder emana do povo” para declarar que “todo o poder emana de Deus”.
O Estado, que deveria ser laico, livre de qualquer influência de religiões, está cercado de forças conservadoras prontas para transformar o país em uma teocracia – denunciam vozes exaltadas. “Cristofobia” – reagem os que se dizem alvos de preconceito.
As tensões sobre laicismo e a influência da igreja na política refletem o crescimento do poder de grupos evangélicos, que se mobilizaram nos últimos anos para conquistar cargos eletivos e levaram seu modelo de política pautada pela moral religiosa para o Congresso – novidade rejeitada por grupos seculares ou de outras religiões. Paralelamente, cresceram grupos opostos, com propostas mais liberais.
Ou seja, essa mistura, na História Universal, sempre foi indigesta. Dos 56 deputados que o blog Frente Parlamentar Evangélica lista como da bancada de evangélicos, 32 (57%) têm pendência na Justiça.
Os processos apuram acusações como peculato (furto ou apropriação de bens ou valores públicos), improbidade administrativa, corrupção eleitoral, abuso de poder econômico, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Com 24 deputados, a Assembleia de Deus tem a maior representação na bancada. Desse total, 11 são réus. “A classe média gasta muito em terapia, a Igreja Católica exige muita penitência. Na Evangélica é mais fácil. Eles dizem que todo o pecado vem por alguém não aceitar Jesus. Mesmo que a pessoa tenha cometido crimes, é só aceitar Jesus e a pessoa zera o passado, vira a página “— Cientista político Cesar Romero Jacob.
A própria modernidade se tornou um mito, como se a ciência fosse salvar todas as angústias. O mundo se desencantou, mas se reencantou com outras práticas, como a religião como tábua salvadora dos problemas existenciais e econômicos, e seus novos “profetas”.
Esse florescimento das religiões neopentencostais está diretamente associado ao fato de não haver mais uma única igreja com monopólio dos bens religiosos. Não existe mais um Estado para limitar, garantir um monopólio da religião. Antes a pessoa era católica por herança, agora existe concorrência. “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.(CF/88).
Ainda funciona? Nossa atual legislação não impede a eleição de ativistas religiosos, mesmo colocando em risco a laicidade do Estado, principalmente pelo fato de estes ativistas terem suas campanhas financiadas pela igreja. Se a bancada evangélica fosse um partido, ela seria o terceiro maior na Câmara Federal. Hoje, os evangélicos são 22,2% da população do país. O que esperar?
Não, naturalmente, o aumento do radicalismo nas posições acima citadas, ou aumento das agressões mútuas entre fieis e não-fieis; mas, convivência pacífica e respeito a opiniões divergentes, ou queremos partir para uma teocracia iraniana? Ou, uma imitação do Estado Islâmico? O Brasil está acima dessas questões menores, penso eu, também como evangélico, mas não radical. E você, leitor/a?
Auremácio Carvalho é advogado.