Tem gente que gosta e admira a existência de leis, que elas são um marco civilizatório, que estabelecem os direitos dos homens. Não é o meu caso. As leis representam que não acreditamos no ser humano e que sem freios punitivos não pode haver humanidade.
Considero que os legisladores subestimam os comuns e supervalorizam sua capacidade de estabelecerem o certo e o justo para todos, se é que é possível existir isso fora de uma tirania, pois que os homens são plurais e cada um deve ter o direito de estabelecer o seu certo e o seu justo. O problema exatamente é querer impor um certo e um justo a quem não compartilha de suas ideias.
O fato é que as leis não garantem nenhum dos meus supostos direitos. Não tenho segurança e posso ser morto ao sair, ao entrar ou mesmo dentro de casa. Posso ser roubado em qualquer esquina ou dentro de casa. Se ficar doente, posso morrer na entrada do hospital sem ser atendido ou em casa sem ser socorrido. É claro, as leis podem culpar e condenar os que me prejudicaram, caso consiga descobrir quem sejam, o que é raro, mas não podem impedir que o mal me atinja.
Se sofrer injúrias, em teoria posso recorrer à justiça, mas depende de custos que ultrapassam o salário da maior parte das pessoas, inclusive a minha, o que torna um direito não de fato, mas apenas na legislação, como tudo mais.
Dizem que um mundo sem leis seria o caos. Difícil saber, visto que não existem sociedades sem leis morais ou jurídicas para vermos o que ocorreria. No entanto, o fato de ser proibido matar alguém nunca impediu que houvesse assassinatos, o fato de ser proibido roubar, nunca se impediu os roubos, assim como a proibição dos vícios nunca impediram que eles ocorressem nas mais variadas sociedades.
Enfim, a ideia de que as leis nos protegem é uma ilusão moderna, que continua acreditando que só a coerção inibe ações erradas, que basta a ameaça de punição para inibir atos delituosos ou assim considerados por uma parte da sociedade.
Por isso, ao invés de investir no desenvolvimento humano, em aprimorar a criança num adulto razoável, aprimoram-se tão somente as instituições punitivas, que punem de forma desigual a todos nós, sem garantir nenhuma segurança institucional ou de vida para todos. E os legisladores continuam acreditando que todos somos insensatos, que se não tivermos leis a nos coibir entraremos em estado de guerra de todos contra todos.
Com isso cada vez mais tentam detalhar nas leis as minúcias da vida, dizendo o que um pai pode ou não fazer a um filho, e de forma insensata acabam criando leis que se negam.
Sou inocente até que se prove o contrário? Balela! Vai entrar num banco ou num avião: somos todos suspeitos até que nos despimos para as autoridades e seus instrumentos. A educação é um direito de todos e um dever do Estado? Pergunte aos milhões de analfabetos se esse direito ou mesmo esse dever existe. Tenho o direito de ir e vir? Não é o que sinto quando sou parado numa blitz da polícia.
Vão dizer que tudo isso é para garantir minha segurança, maior bobagem ainda: as normas de segurança constrangem o bom cidadão, sem impedir que os maus atuem, e, pior ainda, criam leis cada vez mais draconianas que impedem a liberdade de nossos costumes e escolhas, sem diminuir a violência a que estamos expostos.
Acrescente ainda o fato curioso de que em solo nacional, as leis dependem de quem está do outro lado do balcão te atendendo, e dependendo do funcionário e do seu estado de espírito as leis podem ser mais rígidas do que são ou mais brandas.
E isso em todas as instâncias, no executivo, no legislativo e no judiciário. As leis não valem pelo que está escrito, mesmo porque a forma como são escritas e interpretadas dão uma plasticidade tão grande, quanto podem ser os honorários dos advogados e as instâncias jurídicas.
Roberto de Barros Freire é professor do Departamento de Filosofia/UFMT