"> A praça que já não é do povo – CanalMT

A praça que já não é do povo

Árvores foram inexplicável e brutalmente derrubadas na principal praça da outrora “cidade verde”. O poeta que amorosamente assim denominou a sua cidade e o governante que recebeu a homenagem, como agradecimento de para cá ter transferido a capital, já há bastante tempo teriam se sentidos desconfortáveis. Com o que fizeram à sua cidade e, em particular com o que vem sofrendo a sua praça mais representativa, o cognome está de há muito ultrapassado.

O processo de desrespeito para com as praças, os monumentos, os pontos históricos de Cuiabá é crescente, e parece inexorável. Governo após governo. A mais que centenária Praça Alencastro, que já deveria estar tombada como patrimônio urbanístico da capital, sofreu um recente exemplo de ataque e desrespeito com o lamentável corte de árvore, velha de dezenas de anos. A alegação de que estaria doente se sustenta? Como tal não foi previamente divulgado, não se sabe, fiando-se então na palavra do responsável pelo corte.

Que só veio depois de terem aparecido alguns poucos protestos pelo abate. O argumento de que tal se deu para que o espaço seja “revitalizado” não tem apoio diante de conceito moderno de urbanismo, e nesse contexto, o de que vem a ser o espaço conhecido como praça. Revitalizar cortando arvores é seguramente um contrassenso. Mais ainda quando se diz que comporá esse espaço um “moderno ponto de ônibus”.

Ora, esse é um entendimento canhestro e caipira do que vem a ser uma praça. Uma distorção que não encontra respaldo nem mesmo em anos mais remotos, basta lembrar as belas palmeiras imperiais que outrora emolduravam as outras duas praças mais conhecidas, a da República e a do Ipiranga. Cuiabá, infelizmente, vive sob o signo da destruição do meio ambiente. Veja-se o caso do fatídico projeto do BRT, e depois VLT, e agora do “Nada e do Desperdício”.

Derrubaram as árvores existentes na avenida Rubens de Mendonça (mais conhecida como do CPA), cavoucaram como tatus destruidores, e todos sabemos o que restou. Um verdadeiro crime ambiental cometido numa urbe que se torna, de ano a ano, de clima cada vez mais escaldante. Derrubam árvores precisamente numa época em que mais se divulga o fato cientifico de que o desmatamento em áreas urbanas causa aumento da temperatura e agrava a poluição do ar.

Mas o que vem a ser uma praça, sobretudo numa cidade de tão poucas praças? Antes de tudo, não se deve entender uma praça como sendo um ponto para um terminal de ônibus ou locais de vendas espalhadas, seja para o que for. A praça, e assim é nas principais cidades do mundo, é onde as pessoas se encontram, onde convivem e se espairecem, é local do lazer e de descanso de adultos e crianças, é enfim onde existe a possibilidade do encontro harmônico entre o homem e a natureza, num cada vez mais imprescindível contato bioemocional.

A árvore, e de um modo geral, as áreas verdes são de vital importância para que exista uma cidade sustentável, vale dizer, humana. Derrubar uma árvore, sob que pretexto for, a não ser o da sua sanidade, e isso deve ser formalmente demonstrado, significa caminhar na contramão da historia. Se esse for o entendimento de urbanismo de nossos gestores então é hora de nos socorrermos da lei. E, concomitantemente, indagarmos onde estão as autoridades responsáveis pela aplicação da legislação ambiental?

Pois não está na Constituição [art. 225, §1°, III] que os espaços territoriais que apresentem significativa importância ou representatividade para o meio ambiente natural devem ser objeto de especial proteção? E que no seu artigo 182 está fixado que a politica urbana executada pelo poder publico municipal tem por objetivo garantir o bem estar de seus habitantes?

E que entre os espaços territoriais elencados pela Lei nº 9.985/00 como objeto de especial proteção não estão também as praças? E que um instrumento administrativo reconhecidamente avançado como o Estatuto da Cidade [Lei nº 10.257/01] não está a determinar que entre os tantos direitos de seus moradores está o de ter uma cidade sustentável, atendendo as presentes e as futuras gerações?

O conceito mais adequado de praça, sob o ponto de vista do urbanismo contemporâneo, é o daquele local aonde o povo transita ou se reúne para fins políticos, sociais ou religiosos ou simplesmente para o espairecimento e entretenimento. São unidades urbanísticas fundamentais como espaço diário de convivência e sociabilidade. Já se escreveu que o modo de tratamento e uso das praças indica o nível de civilidade de um povo. E com este mais recente tratamento, mais um numa sequencia, que se deu à nossa tradicional e histórica Praça Alencastro, só nos resta uma lamentável e penosa conclusão.

Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e professor. Autor da antologia “Cuiabá: Corpo e Alma” (2 vols.)


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