Inadvertidamente, o chefe do grupo J&F, em sua polêmica gravação no Jaburu, pode ter prestado um grande serviço a Mato Grosso. Preferia vê-lo preso pelos prejuízos que causou e continua causando ao Brasil e, em especial, a Mato Grosso, maior produtor de gado do país e ele o maior o maior produtor de proteína animal do mundo.
Um dos focos de sua famosa conversa com o presidente Temer foi um pedido de interferência presidencial junto ao Cade, em uma suposta discriminação da Petrobrás contra a Termelétrica de Cuiabá, em termos do preço do fornecimento de gás para a usina, hoje de propriedade do grupo.
A Termelétrica de Cuiabá é fruto da visão de futuro de um dos maiores estadistas que o Brasil teve: Dante de Oliveira, não valorizado entre nós como merecia justamente por ser daqui. Integra um complexo com o gasoduto Bolívia-Brasil (Cuiabá) implantado a um custo total de US$ 1,0 bilhão à época.
Com sua perspectiva de futuro, o então governador anteviu a grande produção agropecuária atual de Mato Grosso, já prevendo a energia e a logística de transportes como os dois gargalos para esse desenvolvimento. Hoje, Mato Grosso é o líder do agronegócio nacional, fiador fundamental do saldo comercial e do PIB nacional, mas está encalacrado na logística e na energia para ir além.
Instalado no Estado um parque agropecuário de alta tecnologia e produtividade, Dante via ser fundamental a criação das condições para a verticalização de toda essa produção, agregando valor à produção primária.
Gerar empregos aqui, em vez de exportá-los. Entendia que a Baixada Cuiabana poderia ser a base desse processo de verticalização com apoio da ZPE de Cáceres.
Para esse salto, restava resolver as questões da energia e do transporte para levar e trazer o desenvolvimento. Arrancou assim das barrancas do Paraná os trilhos da Ferronorte, criou o Fethab, implantou o Porto Seco e internacionalizou o Aeroporto Marechal Rondon, providenciando sua ampliação a quatro mãos com o também saudoso Orlando Boni, cuiabano então presidente da Infraero.
Na questão da energia, destravou a APM de Manso, com canteiro de obras e máquinas parados a bastante tempo e trouxe a Enron.
Então, o complexo foi implantado com o gasoduto, a termelétrica, e as vantagens regionais comparativas para a indústria e outros investimentos. Só que o plano não avançou a ponto do gás hoje não sensibilizar nem os taxistas e a termelétrica ter um funcionamento descontinuado. Inconfiabilizados, em suma.
Tirando a falência de seu primeiro dono, a Enron, outro grupo internacional logo assumiu, sempre me intrigou as causas desse aparente insucesso e do estranho silêncio de nossas lideranças empresariais e políticas sobre o assunto.
Entre as causas está a interrupção do fornecimento do gás pelo Governo Evo Morales, recém-empossado, mantendo o fornecimento para outros ramais do Brasil.
Começavam a discriminação e também minhas ilações, palavra tão na moda hoje. Discutia-se a instalação de uma grande fábrica de fertilizantes da Petrobrás para atender o Centro-Oeste, cuja melhor localização seria uma posição central, no caso, Cuiabá. O gás era a principal matéria-prima.
O Governo boliviano, com os governos federal e de Mato Grosso do Sul, então companheiros ideológicos, queriam a fábrica no estado irmão. E o gás para Mato Grosso foi cortado, sob mil pretextos.
A primeira ilação estava pronta. Com a omissão das lideranças políticas e empresariais mato-grossenses a fábrica foi instalada em Três Lagoas, colada a São Paulo, excêntrica a seu mercado.
Agora, aparece a reclamação do chefe da J&F. Seria verdade? Por que a diferenciação contra a Termelétrica de Cuiabá? Não é Brasil? Outras ilações ficam para futuros artigos.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (CAU/MT) e professor universitário.
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