Em junho do ano passado, o desembargador Evandro Stábile foi condenado à aposentadoria compulsória por tentar negociar decisão judicial na época em que presidia a Justiça Eleitoral no Estado. Em fevereiro do mesmo ano, o juiz Paulo Martini foi demitido pela acusação de ter pedido dinheiro em troca da concessão de decisões favoráveis a um advogado.
Essas e várias outras punições contra magistrados foram exemplarmente aplicadas pelo Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) nos últimos anos e amplamente divulgadas pela imprensa, fato que provaria que o Judiciário mato-grossense não é corporativista e tampouco possui dó de varrer de seus quadros os membros que cometem desvios de conduta das mais diversas naturezas.
Imagine, caro leitor, se essas punições tivessem ocorrido e ninguém ficasse sabendo. Ou que não houvesse punição e, de igual forma, ninguém tomasse conhecimento. Ou que a sociedade só soubesse quando o TJ-MT resolvesse divulgar, por seu próprio critério e gosto? Não seria um retrocesso sem precedentes e até impensável em tempos onde a transparência não só é regra, como lei?
Pois esta é a belíssima novidade que venho trazer: daqui em diante, será assim no nosso estimado Judiciário “Pantaneiro”.
Por motivos desconhecidos, a partir de julho deste ano, as transmissões de julgamento dos procedimentos investigativos envolvendo juízes – ferramenta que permitiu à imprensa informar para a sociedade todo tipo de investigação, julgamento, punição e absolvição de magistrados – passaram a ser “cortadas”.
A divulgação em tempo real de julgamentos de ações desta natureza, que eram feitas desde 2012 e implementadas na gestão do desembargador Rubens de Oliveira, agora são interrompidas e substituídas por uma mensagem na tela com a seguinte mensagem: “confidêncial”.
Isso mesmo. Com um grosseiro erro gramatical no ‘e’. Só não é mais grosseiro que a falta de transparência do TJ-MT em não explicar para a sociedade o porquê desta nova postura, além de sequer se dar ao trabalho de responder por ordem de quem estão ocorrendo estes convenientes “cortes”.
Solicitei uma explicação há semanas e não recebi nada da administração do tribunal além da resposta genérica de que a Presidência está analisando o caso.
A resposta vazia, inclusive, fala por si só sobre a nova postura de “transparência para inglês ver” que, pelas beiradas, têm sido implementada no âmbito do Tribunal de Justiça.
Vale lembrar que não é de hoje que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que, em tese, deveria servir de modelo para os tribunais do país – transmite seu julgamentos em tempo real, inclusive, aqueles que tratam de apurações de todo tipo de irregularidades atribuídas a magistrados.
Ao que parece, o TJ-MT desistiu de seguir o bom exemplo do CNJ e optou de vez pelo retrocesso. E, claro, sem dar nenhuma satisfação, até para dar um “gostinho” dos novos tempos, em que o sigilo será regra e a transparência a exceção.
Pergunto: a quem interessa que a sociedade e a imprensa não saibam que determinados juízes estão sendo investigados e por quais razões estão sendo investigados? Seria para extirpar possíveis notícias negativas na mídia e, assim, passar a falsa impressão ao público de que não existe mais nenhum desvio de conduta na magistratura mato-grossense? Para proteger a imagem de juízes investigados?
Se essa for a resposta, e realmente espero que não seja, trata-se de um erro estratégico sem precedentes. Primeiro porque tentar “maquiar” no Judiciário a existência de corrupção, que é um problema crônico no Poder Público em geral, é pura perda de tempo. Só fará com que haja margem ainda maior para especulações, dúvidas e o retorno da pecha de “caixa-preta” que o Judiciário já estava quase perdendo, mas que insiste em manter por birra. Além, é claro, de mostrar a ineficiência da administração em, de fato, reduzir os casos de corrupção.
Segundo porque qualquer semianalfabeto em comunicação sabe que tentar esconder informações de figuras públicas suspeitas de ilícitos só piora e desgasta ainda mais a imagem delas, e não o contrário. Expor de forma transparente que existe uma investigação e detalhar a versão do acusado dá margem para que o magistrado possa se defender na mídia. Deixar públicos os julgamentos que punem ou absolvem determinado juiz põem uma pedra no caso. Agora, quando existe uma suspeita e a sociedade nunca vem a saber se o magistrado foi absolvido ou condenado deixa este mesmo magistrado “carregando” a acusação para todo o sempre nas costas.
Com todo o respeito, mas quero realmente crer que tudo não passou de um mal-entendido, uma vez que não é possível que algum gestor do TJ-MT tenha tamanha ignorância estratégica para colocar em prática tal “ideia de jerico” que, pelo andar da carruagem (literalmente), nem a Lei de Transparência e Acesso à Informação vai me dar o direito de saber quem a teve.
Este revés, apesar de decepcionante, não chega a surpreender. Aos poucos, nos últimos anos a administração do TJ-MT foi negligenciando e enfraquecendo várias ferramentas de ampliação à transparência, boa parte delas implementada na gestão Rubens de Oliveira – o que chega a ser um desrespeito ao excelente trabalho desenvolvido pelo desembargador.
Um exemplo claro é o Portal da Transparência do TJ-MT, cuja ideia era deixar visível todos os julgamentos e andamentos de processos envolvendo improbidade administrativa, crimes de tortura, ações populares, execuções fiscais e ações penais contra agentes públicos.
Os andamentos das ações de improbidade, ações populares e ações de tortura que tramitam na 1ª Instância não são atualizados desde outubro do ano passado. O campo das execuções fiscais não consta nada. Na prática, isso quer dizer que se um político ou agente público da sua região for condenado por mau uso ou desvio dos recursos públicos, dificilmente você ficará sabendo, especialmente se ele for do interior do Estado. Se um PM ou cidadão for condenado por torturar alguém, também não.
O descaso com essas informações de interesse público latente já foi tema de matérias e notas, no ano passado, no veículo de comunicação em que trabalho. O problema foi corrigido? Não. Quantos meses e quantos bilhões a mais no orçamento o TJ-MT precisa para corrigir? Se for barato, me comprometo a fazer uma “vaquinha” com os profissionais de imprensa para tentar pagar.
Outro exemplo: folha de pagamento. Pesquise no site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso onde está o link para acessar os relatórios com os valores das remunerações dos magistrados e servidores. Não está lá. Apenas um erro ou é intencional? Teria relação com as constantes matérias na mídia regional tratando de elevados salários recebidos por servidores e juízes em razão dos “penduricalhos”?
O cidadão que queira fiscalizar os vencimentos dos membros do Judiciário mato-grossense hoje precisa adivinhar que estes dados podem ser consultados, mas apenas se pesquisar palavras-chaves no Google, uma vez que o próprio site institucional não faz questão nenhuma de deixar a opção visível ou, ao menos, disponível em algum campo de letras miúdas no portal.
LUCAS RODRIGUES é jornalista em Cuiabá.