“O cara rouba um bilhão e devolve 76 milhões e vai ficar dois anos em prisão domiciliar na sua cobertura”, afirmou o governador de Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), que criticou, nesta quinta-feira, 31, em entrevista ao Estado, os termos da delação de seu antecessor, Silval Barbosa (PMDB). O tucano, que relata ter recebido do peemedebista, a sós, no dia em que tomaria posse, o pedido para que ‘não o perseguisse’, alega ter assumido a gestão com R$ 84 mil em caixa. Ele diz ter identificado ‘roubos’ até mesmo dos tapetes do Palácio dos Paiaguás.
Citado por Silval e por um empresário que tenta acordo com as autoridades no âmbito da Operação Rêmora, que investiga desvios na Secretaria de Educação, Taques se diz defensor da colaboração premiada. Ele afirma, reiteradamente, que ‘não há instrumento para investigação criminal mais importante do que a delação premiada’.
Entretanto, o governador tucano partiu para cima dos valores devolvidos pelo peemedebista que o acusa e ressalta que ‘delação não pode servir de instrumento de vingança a políticos adversários’. “O que ele devolveu? Um avião velho, uma fazenda no meio do mato. E o restante do dinheiro? Aí é uma critica construtiva à delação”.
Taques admite ser ‘inimigo de Silval’ e diz precisar de escolta policial há 12 anos porque o peemedebista e outros desafetos já teriam tentado matá-lo.
O governador comentou os vídeos entregues por seu antecessor nos quais políticos mato-grossenses pegam maços de dinheiro e enfiam em malas, mochilas, caixas e bolsos. Taques diz que as imagens são ‘nojentas’ e que as cenas protagonizadas, em parte, por seus aliados, ‘não têm explicação’.
ESTADÃO: O sr. é citado nas delações de Silval em um episódio de caixa dois e em outro em que tenta barrar a delação do peemedebista. Como recebe essas acusações?
GOVERNADOR PEDRO TAQUES: Houve a reunião, eu era senador, ele governador, o prefeito da capital, e o ministro (Blairo) Maggi. Eu tinha que conversar institucionalmente com o governador. Houve a reunião na casa do prefeito de Cuiabá. Nessa reunião, cada vez que eu subia nas pesquisas, o Silval ficava desesperado. Ele me procurou perguntando: ‘olha, você vai me perseguir, Pedro? Por favor, não me persiga!”. Eu disse objetivamente: ‘não persigo os inimigos e não vou proteger os amigos’. Eles morrem de medo da minha atuação, que eu tenho influência do Ministério Público e do Judiciário, em razão do meu histórico de ter vindo daí (Taques foi procurador da República antes de ingressar na carreira política). Nessa reunião, foi conversado isso. Na delação ele diz que depois o prefeito de Cuiabá teria pedido dinheiro para ele. Nunca pedi dinheiro, nem o prefeito de Cuiabá que, aliás, já negou. O ex-prefeito, não esse que aparece na delação.
ESTADÃO: E a menção de que ele teria repassado ao sr. dinheiro da JBS?
TAQUES: Sobre JBS, o Silval diz que nunca me deu dinheiro. Na delação em Brasília, que foi depois da de Cuiabá. E, depois ele disse que ouviu dizer ‘que o Pedro teria recebido dinheiro do credito da JBS’. JBS não me doou na campanha de 2014, em 2010 foram R$ 100 mil. Eu fui o governador que, no dia 1.º de janeiro, um dia depois da posse, baixei um decreto determinando a revisão dos contratos todos do Silval, auditoria de todos os incentivos fiscais, inclusive da JBS.
ESTADÃO: Como o sr. vê o acordo de delação do ex-governador?
TAQUES: Não há instrumento para investigação criminal mais importante do que a delação premiada. Não há nada no Brasil que esteja sendo feito melhor que a Lava Jato. Isso é fato, no sentido de transformação. De mudança no viés político do Estado, sou absolutamente favorável a isso, quero cumprimentar o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. A delação só não pode servir de instrumento de vingança a políticos adversários. Eu sou inimigo do Silva Barbosa. Eu tenho quatro inimigos: Hidelbrando Paschoal (ex-deputado federal pelo Acre), que eu meti 48 anos nele, Arcanjo, que eu meti 100 anos nele, Riva (ex-deputado de Mato Grosso), e Silval Barbosa. Esses são meus inimigos e eu tenho orgulho desses meus inimigos, que já tentaram me matar. Essas pessoas. Eu estou com escolta policial há 12 anos.
ESTADÃO: O sr. acha que de alguma forma a delação e o papel do Ministério Público Federal podem mudar em razão dos pontos que critica na delação de Silval?
TAQUES: O cara rouba R$ 1 bilhão e vai devolver R$ 76 milhões e joga os inimigos políticos dele. Imagine! Como fica? Sou absolutamente favorável a delação, mas isso tem que ser discutido no Brasil. Discutido sem caso concreto, né? Mas, pela academia. Isso tem que ser discutido, não é possível, porque senão daqui a pouco vou falar para a minha filha que o crime compensa. O crime não pode compensar. O cara rouba um bilhão e devolve 76 milhões e vai ficar dois anos em prisão domiciliar na sua cobertura. Dois anos preso e joga para cima de todo mundo. Não podemos criminalizar a política através da delação. Todos esses contratos que a delação pegou a minha administração investigou. Todos. Nós temos que discutir isso sim. Porque o político tem sua intimidade relativizada. Eu defendi isso na tribuna do Senado. O que significa? Eu lutei para ser governador. Pedi voto, precisei da imprensa. Agora, liberdade, com responsabilidade. Eu não posso ser responsabilizado politicamente por um fato que eu não fiz. O tempo do processo é um tempo mais demorado que o tempo da política. Os meus adversários vão usar isso em eleições daqui até 100 anos. E eu vou ter que provar que não peguei esse dinheiro. Como eu vou provar fato negativo? Eu não provo. Hoje, no Brasil, estamos fazendo o seguinte: O cara faz a delação e vira santo. Ele não é santo. É um vagabundo que roubou o Estado. Você pega agora recentemente, hoje saiu a noticia de que a mulher dele roubou dinheiro de caixão de defunto, de óculos, de dinheiro para criança aleijada. Aí, o cara vai devolver 70 e vira santo porque fez delação premiada.
ESTADÃO: O ex-governador confessou ter roubado até 40% de precatórios quitados pelo Estado. Qual é a situação financeira de Mato Grosso pós-Silval?
TAQUES: Eu fui às 10 horas da noite receber o Palácio (Paiaguás). Ele estava sentado na cadeira de governador, só nós no Palácio, e ele disse: ‘Pedro, você não vai me perseguir, né?’ Eu falei: ‘cara, eu não tenho nada, não sou promotor’. Agora, eu vou fazer o que precisa ser feito. O tapete da sala que eu ocupo era diferente do tapete de uma semana atrás. Roubou o tapete! Ele roubava dinheiro de criança. Ele roubou 1 bilhão de reais. Ele me entregou o Estado com R$ 84 mil. Ontem, sabe quanto o Estado tinha na conta? R$ 300 mil. Porque, com a crise, com as contas que precisamos pagar, com as coisas que ele fez, eu passo o dia inteiro administrando fluxo de caixa. Eu sou gerente de banco, não sou governador. Porque eu não tenho dinheiro para pagar servidor. Mas estamos conseguindo manter em dia. Duodécimo para os poderes. Estamos devendo 500 milhões. Se não fosse o setor produtivo, estaríamos numa situação difícil. Esses precatórios foram pagos com ilicitude nas administrações anteriores. Eu determinei que o Estado recorresse para não pagar precatório. Nós economizamos em 800 dias R$ 800 milhões. Eu tenho isso contrato por contrato. Vou pegar um caso assim: ele fazia ponte onde não tinha rio, ponte onde já tinha ponte. Paixão de Cristo. Casamento comunitário. A Paixão de Cristo, o que ele fez? Contratou uma empresa e cobrou R$ 1,9 milhão. Nós fizemos a Paixão de Cristo por R$ 800 mil reais. Pela metade. Mas não é só isso. A mulher dele roubava em casamento comunitário. Pô, uma coisa assim. O que ele devolveu? Um avião velho, uma fazenda no meio do mato, e o restante do dinheiro? Aí é uma critica construtiva à delação.
ESTADÃO: Como o sr. acompanhou os vídeos entregues pelo ex-governador, nos quais políticos mato-grossenses pegam maços de dinheiro?
TAQUES: Nojentos os vídeos dos deputados, do prefeito (Emanuel Pinheiro, de Cuiabá), absolutamente nojento. Isso mostra a degradação da política. mostra que algumas coisas precisam ser mudadas. Não tem explicação para o vídeo. Eles vão ter direito ao contraditório e a defesa ampla. não sei se vocês se recordam, eu apanhei uma situação, eu fui o relator do caso do Demostenes torres na CCJ e no Plenário. Quando um deputado foi pra cima do Demostenes humilhando o Demóstenes, eu fiz a defesa do Demóstenes. Porque o cara tem direito ao contraditório. E eu pedi a condenação do Demóstenes e consegui. porque o cara tem direito ao contraditório. O vídeo é arrasador do ponto de vista político. Na política, não tem presunção de inocência. Presunção tem em processo penal.
ESTADÃO: O sr. tem aliados que apareceram nesses vídeos?
TAQUES: Tenho aliados. que sempre foram deputados e são deputados.
ESTADÃO: Conversou com eles?
TAQUES: Conversei. choraram. Pediram. Disseram ‘é um absurdo’. Eu falei: ‘Amigo, de um ponto de vista ético, isso não tem explicação’.