“Silval Barbosa vai ser pastor”. Mídia local, em 12/09.
Ano 36 da Era Cristã. Na estrada que liga Jerusalém a Damasco um judeu legalista viaja em busca de seguidores de uma nova religião, que começa crescer. Sua intenção é leva-los à prisão.
De repente, uma luz intensa o derruba e do meio dela sai uma voz densa e perturbadora. Quando acordou no dia seguinte. era outro homem.
Completamente transformado, se junta aos que antes perseguia. Seu nome é Saulo, Saulo de Tarso. A partir daí, passa a chamar-se Paulo, apóstolo Paulo (troca o “s” por “p”), o mais importante homem que o cristianismo produziu.
Segunda-feira, 26 de abril de 2061. Em uma praça central da cidade de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, uma multidão aguarda a chegada do Pastor Pilval, que neste dia completa 100 anos.
Ele ainda não sabe, mas a reunião é para dar seu nome àquela praça e inaugurar uma estátua sua em tamanho natural.
O que fez ele para merecer tamanha homenagem do povo?
Tudo começou no ano de 2017. Tido como o maior incentivador e beneficiário de fraudes do país, decide, o agora homenageado, encerrar a vida delituosa e dedicar-se, como aconteceu com o apóstolo Paulo (antigo Saulo), totalmente à comunidade que lesou.
Amparado em um cajado, calçando sandálias e vestindo roupas surradas, começa a percorrer as instituições do Estado que presidira com uma mensagem simples mas perturbadora: “Não façam como eu fiz, busquem a virtude todos os dias”.
Muitos anos se passaram até os primeiros atos virtuosos surgirem: primeiro foi um guarda de trânsito, que, escondido do seu parceiro, rejeita oferta de propina. No mesmo dia, fiscais da Prefeitura, mesmo constrangidos, recusaram favores para aprovar obras irregulares.
Outros fatos estranhos aconteciam: em uma discreta mesa de bar, empreiteiros decidiram não mais participar de licitações fraudulentas; deputados, meio envergonhados, negavam-se a cobrar por apoios irregulares e, no TCE, quatro conselheiros decidiram nunca mais receber vantagens para aprovar contas.
Mais alguns anos, essas atitudes que coravam os primeiros adeptos passaram a prosperar lentamente, até que contagiou toda a população. Um novo ídolo surgia: Pastor Pilval.
Amparado pelo neto, sem saber que seria homenageado, chega ao palanque com seu jeito simples, despojado e simpático.
Quando o apresentador autoriza o descobrimento da estátua que o retrata, ele se levanta e, erguendo os braços, pede silêncio.
Com voz pausada e calma sem nenhum sinal de enfado ou ira, solicita uma corda grossa e comprida. O povo não entende, mas em silêncio obedece.
Aí pede ao neto que passe a corda no pescoço da escultura, espichando a outra ponta no meio do povo, como na procissão do Círio de Nazaré, e ordena ao povo que estique a corda.
“Derrubem a estátua”, diz serenamente. “O culto à personalidade só serve pra inflar egos, estimular a arrogância e cultivar o vício”.
Em seguida, com um martelo improvisado, amassa a placa com seu nome, que seria fixada na praça.
Depois, com passos lentos, deixou o palanque e foi pra casa.
Naquela noite, com a paz de quem combateu o bom combate, entregou a alma ao criador. E foram cem anos os seus dias na face da terra.
RENATO DE PAIVA PEREIRA é empresário e escritor em Cuiabá.