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A “jihad” brasileira

A decisão do Supremo Tribunal Federal em rejeitar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, proposta pela Procuradoria-Geral da República, traz questões importantes para a sociedade brasileira.

A votação apertada, 6 votos a 5, que exigiu “voto de Minerva” da presidente do STF, Cármen Lúcia, é uma prova da divisão sobre o tema: o ensino religioso confessional nas escolas públicas.

Agora, oficialmente, os professores poderão dar aulas de religião no ensino fundamental, de acordo com suas crenças pessoais e religiosas, livremente.

Assim, o ensino poderá ser ministrado por representantes de credos específicos, como padres, rabinos, pastores ou ialorixás.

As regras valem para as escolas públicas do ensino fundamental. No ensino privado, não havia questionamento e o modelo confessional sempre foi praticado, sobretudo nos colégios católicos e protestantes. Ou seja, abrimos oficialmente, a temporada de “guerra santa-Jihad” brasileira, pelo controle da mente das crianças – 07 a 14 anos, do ensino público fundamental.

Qual criança não vai ser discriminada na escola se deixar de frequentar as aulas de “religião”? Não existe matrícula “facultativa” no ensino fundamental, a matéria “ensino religioso” faz parte obrigatória da grade curricular.

Os grupos fundamentalistas – muitos deles já dominam partidos políticos e tem uma considerável bancada no Congresso – agora vão dominar o ensino público, custeado com nossos impostos, impondo sua visão religiosa, muitas vezes, radical no que concerne a costumes e práticas sociais; questões de gênero e outras, sem falar a Igreja Católica, que já tem influência inegável junto aos Poderes Públicos.

A sala de aula vai se transformar em “púlpito e altar” para pregações; cultos, missas; sem dúvida, serão de frequência obrigatória, ou alguém acredita que uma criança de oito ou nove anos terá coragem de não frequentar? A decisão do Supremo se dirige às escolas públicas por motivos óbvios.

Trata-se de regular um setor que é mantido por recursos públicos e que segue regras definidas em leis de diretrizes e bases, que norteiam o sistema educacional. A arguição de inconstitucionalidade estava ligada principalmente ao fato de o Estado brasileiro ser definido como laico na Constituição Federal.

A ação apontava contradição entre laicidade e ensino religioso de doutrinas específicas, em salas de aulas de escolas mantidas com recursos públicos. Onde fica a laicidade do Estado, bem como a liberdade de crença e a importância da tolerância e a pluralidade de ideias, pregadas na Constituição Federal?

A lei de Diretrizes e Bases terá que ser reformulada, excluindo a ressalva do proselitismo e doutrinação, agora liberados. Quem define a nova grade curricular? Docentes, especialistas ou representantes de religiões?

A representação plural das religiões na grade curricular será um desafio tanto prático como pedagógico. A presença de religiosos no corpo de professores será outro desafio à estrutura do projeto pedagógico e as conquistas da categoria de professores na gestão das unidades de ensino.Serão sindicalizados, farão greve?

Uma pergunta inocente: os ateus, agnósticos e entidades humanistas laicas também terão espaço na escola para apresentar suas concepções de mundo ou estão fora da decisão do STF?

O que transparece da discussão e voto final, é que os ministros do STF, pelos argumentos apresentados em seus votos, decidiram mais com convicções pessoais do que com o senso de equilíbrio e conhecimento que a questão impõe.

A decisão, no entanto, pela divisão que expressa em seu resultado e nas consequências que deve gerar, é a palavra final no assunto; pois o STF é o guardião da Constituição, embora, como temos assistido, de vez em quando, rasga o seu texto, como nessa decisão, que é totalmente inconstitucional; o que alerta para a atenção dos defensores da liberdade de pensamento.

Pode ser que “Deus até não exista, mas o diabo mora nos detalhes”. Quando será que veremos a implantação da “burca” para as crianças? Ou, a separação espacial: meninos de um lado e meninas de outro?

Não seria o caso, de se ressuscitar também, a disciplina OSPB- Organização Social e Política Brasileira, da Ditadura?

O STF prestou um lastimável e perigoso serviço à educação brasileira, acirrando os conflitos religiosos que já existem no Brasil.

AUREMÁCIO CARVALHO é advogado e sociólogo em Cuiabá.


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