Era uma vez num País não tão distante assim, vivia um povo em desespero constante. De um lado os “Gentles”, grupo abastado que tinha o poder nas mãos e eram auxiliado pelos “Paroquiais”, uma minúscula e segregacionista casta que cuidava da explicação da vida e da morte.
O restante era formado por um aglomerado e grandioso número de desesperados e oportunistas que tentavam viver no “Purgatório”, a parte escorregadia, viscosa e perigosa do País não tão distante.
Para buscar a paz, e após muitos conflitos estabeleceu-se que haveriam normas de domínio público. Escolheram um entre os Gentles para elaborar o ordenamento Jurídico. Foi escolhido o “Lorde Dracon”.
Um impasse foi logo colocado em pauta. Quem participaria e de que forma? A resolução foi que teriam representantes, os quais fariam parte da “Assembleia Curial”, sob a “proteção” de Lorde Dracon e de um representante dos Paroquiais, mas tinham que levar sempre em conta o lema: Crer, Obedecer, Combater como uma causa pétrea.
No decorrer dos trabalhos logo ficou claro que enquanto os “Gentles” falavam de um Pais de todos, insinuando que havia igualdade, que os problemas eram mínimos e que poderiam ser resolvidos por eles em curto período de tempo, havia desconfiança por parte dos que viviam no “Purgatório”.
Os do “Purgatório” questionavam que por mais de quinhentos anos, só ficavam ricos os Gentles, de antanho e da atualidade. E que por mais que trabalhassem, eram chamados de preguiçosos, embora só sobrasse trabalho braçal e mal pagos.
Questionavam que os “Executores de dívidas”, uma subclasse dos “Gentles”, mensalmente tiravam quase tudo dos viventes do “Purgatório”, deixando-os apenas com o mínimo para sobrevivência e ainda eram explorados pelos Paroquiais em 10% do que produziam, para a manutenção do templo aos deuses.
Demonstravam que embora fossem a maioria, viviam em um mar de miséria e sofreguidão. As cadeias estavam superlotadas só de gente do “Purgatório”, enquanto os outros eram isentos de prisão por um artificio chamado “Prescrição”.
Delatavam que quando denunciavam estas condições eram taxados de comunistas e que podiam viver em outro lugar, e até haviam sumiços misteriosos, que nunca eram explicados. Quando eram pressionados os “Gentles” diziam “AME-O OU DEIXE-O”. Haviam vigias constantes dentro do “Purgatório” realizados pelos “Capetíngios”, os “olhos e ouvidos” da classe dominante.
As explicações a estas e outras situações eram sempre uma mistura de argumentos paroquiais e razões gentílicas.
Nos atos espirituais obrigatórios, eram divulgadas estórias mitomaníacas, com a justificativa de que riqueza terrestre não era tudo e em outro mundo só haveria humildes. Dizia por exemplo que “era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico encontrar paz no reino dos mortos”.
Volta e meia se invocava o “Ordálio” um misto de provação e teste de fidelidade, onde cidadãos do “Purgatório” eram colocados a prova de sua fidelidade espiritual aos deuses e em caso de reprovação eram purificados, com eternas liturgias que incluía atos com a mortalha e açoites com chicotes.
Estava posto aí o primeiro mantra social CRER, sobre tudo e todos, crer sempre, o descrente é impuro e só com sacrifício pode voltar a ser um ser completo. Diziam em voz alta, “você não é nada, o Estado é tudo”.
As justificativas sobre pessoas em prisões eram porque eles não tinham os deuses no coração e que assim que conseguissem esta proeza, ficariam livres, inclusive haviam muitos “Paroquiais” que iam as prisões convertendo os malignos.
A pouquíssima quantidade de Gentles nas prisões era devido a um “Gens” da dinastia dessa classe que desde o início fazia-os desde criança a praticar o bem e dar esmolas aos pobres. Diziam sempre e sempre a todos, “quem dá aos pobres empresta aos deuses”.
A origem dessa lenda, veio do antepassado milenar, Thomas de Aquino, que afirmava que o crente para obter a salvação, tinha que ter fé e praticar as boas obras, ou seja dar dinheiro, patrimônio para a Igreja.
Para demonstrar que havia possibilidade de todos mudarem de posição social, eram criadas falsas oportunidades de escalada social.
Vários jogos de loterias pagavam somas astronômicas, mas sempre quem ganhava eram pessoas que ninguém conhecia. Faziam seleções para cargos importantes, mas só os “Gentles” estavam nos cargos.
Pregavam que a educação era uma via de acesso para as mudanças que a sociedade tanto precisava, mas os filhos dos “Gentles” frequentavam escolas diferentes, mais equipadas, o que traduzia em melhores empregos no futuro só para eles.
Essa sociedade, repito, de um País não tão distante assim, alternava momentos de alegria e ódio. Para manter a alegria eram distribuídos um remédio lisérgico, o “Calipson” de cor verde, que fazia com que a memória dos do “Purgatório” diminuísse cada vez mais.
Quando alguns entre estes insistiam em perpetuar o ódio aos governantes, estes eram transformados em bodes, “bodes expiatórios”, sendo excomungados e exilados na ilha “Lisarb”, onde só viviam monstros carnívoros, ali os que sobreviviam, viram escravos, trabalhando em serviços de empresas terceirizadas, na esperança de dias melhores, que nunca vinham.
Sobrava então para todos o segundo mantra, OBEDECER. Obedecer como forma de sobrevivência mínima para si e para seus familiares. Os desobedientes eram encarcerados, passavam pelo Ordálio ou eram exilados. Haviam frases com alertas espalhada em vários lugares dizendo “A obediência vale mais do que o sacrifício”. Outra dizendo, a obediência é sinal de inteligência”. Estes avisos ao mesmo tempo que se auto intitulavam educativos, reforçavam o medo e a desconfiança.
Por ser uma sociedade em convulsões sociais constantes, era preciso que se criassem inimigos internos e externos para explicar ideologicamente que o mal que existia era de elementos estranhos que não queriam o bem comum, a harmonia social. O governo então precisava extirpar esta inconsistência social. Neste momento entrava o terceiro mantra, era preciso COMBATER.
O combate devia acontecer primeiro na literatura. Livros que não confessasse a ideia do sistema, deveria ser jogado no lixo e nunca lido. Lê-los seria um ato terrorista, antissocial.
De quando em quando eram realizadas grandes fogueiras onde a população em ato festivo jogava a literatura proibida para a purificação, para eles, a ação fazia desaparecer as más ideias pelo fogo que consumia os demônios da diversidade.
Somente um livro era liberado para explicar a realidade terrestre e a espiritual, o livro sagrado em homenagem aos deuses. Aleluia, diziam alguns em regozijo a queima dos livros. A este ato, eles chamavam de combater o bom combate.
O sentido do combate, somado aos outros mantras crer e obedecer era criar um cidadão dócil, que se sujeitava sem pensar no que o sistema impunha e em caso de desavenças com o ideal totalitário imposto, combateria como um soldado cego, surdo, mudo e obediente.
Após as escolhas dos representantes da Assembleia Curial, aconteceu o momento espiritual grandioso esperado por todos. No local ao ar livre começou a sessão com a descida de um ovo eletrônico, trazendo o salvador da Pátria, que estabeleceria sob seu estrito comando a lei e a ordem. Mas e a Democracia? Sempre foi lenda neste país.
Mas do que estamos mesmo falando aqui? Há…, de uma obra de ficção das escolhas do povo de um País não tão distante assim.
Pedro Felix, Professor e aluno de Direito da FCR- Cuiabá.