A sanção das leis do chamado de “pacotão da maldade”, por uns, ou de “pacto por Mato Grosso”, por outros, mostra o pensamento equivocado do governo recém-eleito sobre as funções da administração pública e de como governar. As questões maiores que desafiam os governos atualmente são a preservação da democracia e a diminuição das desigualdades sociais. No entanto, nenhuma dessas questões foi considerada, seja durante o processo de aprovação dessas leis, seja em relação aos seus conteúdos, que acabam com direitos já conquistados.
Uma falha analítica grave é a confusão entre a administração pública gerencial e a administração de empresas privadas, a despeito de conceitos incorporados pela reforma gerencial do estado. A idealização da eficiência do sistema de mercado leva a análises equivocadas das deficiências do setor público e, consequentemente, a propostas distorcidas para solucionar os problemas. O estado deve ser capaz de coordenar uma sociedade moderna e complexa por meio de legislação justa e com políticas públicas bem elaboradas e exequíveis.
A concorrência perfeita é um modelo econômico elaborado para explicar a correlação da oferta e da demanda e a formação dos preços na economia. O modelo, ao ser comparado com a realidade, põe em evidência as falhas de mercado. São essas falhas que demandam a atuação dos estados por meio de suas funções específicas: função alocativa, função distributiva, função reguladora e função estabilizadora.
O governador declarou que “o estado existe não é só para cuidar da máquina pública, mas sim para cuidar do cidadão, prestar saúde com qualidade, investir em educação como em segurança, porque quem paga essa conta toda somos nós, cidadãos mato-grossenses.”
O discurso truncado demonstra pouca compreensão da administração pública, de suas características e de sua finalidade. É a máquina pública a ferramenta que ficará indisponível para a prestação de serviços para a população. Sem essa estrutura, os serviços que são prestados por servidores ficarão comprometidos. Vai faltar segurança, vai faltar educação, vai faltar saúde, vai faltar preservação do meio ambiente, vai faltar infraestrutura e etc.
O projeto prioritário do governo é o corte de gastos com objetivo imaginário de alcançar um estado enxuto ou o estado mínimo. A atual avaliação das contas públicas está restrita à perspectiva financeira contábil, sem demonstrar como os cortes de gastos comprometem a prestação dos serviços à população, além de ferir a legislação em vigor e usurpar direitos.
Outra falha grave é o silêncio que reina em relação à formação da receita pública. A carga tributária mantém-se distorcida. Os controversos incentivos fiscais transferem renda para setores economicamente consolidados. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tão citada no que se refere ao controle das despesas, particularmente com pessoal, não é, contudo, citada por seu artigo 14, da Seção II – Da Renúncia de Receita – que diz que “a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições” e segue.
Para além da restrição orçamentária dos incentivos fiscais, a carga tributária é regressiva. A parcela da população que carrega o peso dessa carga tributária não suporta mais aumento de impostos. No entanto, o cerne da questão é corrigir a distribuição dessa cobrança. Justiça fiscal é um tema sensível e explosivo, especialmente quando se propõe mudanças para redistribuir a incidência dos impostos. Para promover uma política fiscal justa é preciso coragem e força política. O governo pode inclusive diminuir alíquotas e compensar com muitos ganhos e aumento da receita, se cobrar de setores que são os maiores privilegiados tributários atualmente.
Para definir prioridades de ação, o governo precisa traçar sua estratégia. A visão estratégica tem origem no Plano Plurianual (PPA), que segue especificada nas táticas determinadas na dinâmica entre a Receita e a Despesa, as quais constam na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA). Esses são instrumentos legais que funcionam como um mapa do caminho para governar. Conforme esse mapa é desenhado, os efeitos podem ser positivos para o futuro de Mato Grosso ou podem manter o estado campeão de PIB e de pobreza.
- Vitória de Pirro é uma expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis. Fonte: Wikipédia
ANA PAULA PONCINELLI é gestora governamental.