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Reputação ilibada e ficha limpa

A reputação ilibada figura como requisito para a investidura em diversos cargos públicos, notadamente o de Conselheiro do Tribunal de Contas. Todavia, como  trata se de um requisito subjetivo e não há uma definição legal para o termo, pergunta-se: como definir se determinado postulante a um cargo público é  detentor de reputação ilibada?

A palavra “ilibado” deriva do latim “illibatus”, referindo-se a algo limpo. Segundo o Dicionário Aurélio (2010, online), o termo significa “não tocado”, ou mesmo “puro” “incorrupto”.

Em 1999, a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), elaborou uma definição para o termo. De acordo com a CCJ, no intuito de aclarar o conceito constitucional, “considera-se detentor de reputação ilibada o candidato que desfruta, no âmbito da sociedade, de reconhecida idoneidade moral, que é a qualidade da pessoa íntegra, sem mancha, incorrupta.

Trata-se, portanto, de uma condição subjetiva, que se associa à boa fama, ao comportamento público e à respeitabilidade social e profissional  do pretendente. A reputação do candidato deve  demonstrar o respeito, a estima de seus pares e dos demais membros da coletividade, ante sua conduta reta, proba, compatível  com a dignidade,  grandeza e responsabilidades  do  cargo pretendido

A idoneidade e reputação ilibada, vinculam-se, principalmente, ao princípio da moralidade, o qual exige a atuação ética dos agentes públicos. Dessa forma, deve-se observar os antecedentes sociais e profissionais dos candidatos a cargos públicos, verificando se há máculas ou apontamentos negativos em sua vida pessoal e atuação profissional.

Uma pergunta muito comum é  se na aferição da reputação ilibada deve se considerar o princípio da presunção de inocência, ou seja se o pretendente ao cargo responde a processos ou é investigado, mas ainda não foi julgado e condenado, sendo presumivelmente inocente, ainda manteria a reputação ilibada?

É consenso que o princípio da presunção de inocência não possui caráter absoluto. Assim, em caso de dúvida fundada sobre a reputação do candidato, é possível sobrepor o interesse público ao privado. Desse modo, evita-se que um indivíduo, ainda que apenas possivelmente inapto assuma uma função pública.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. NOMEAÇÃO PARA CARGOS ESTATUTÁRIOS DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. RESOLUÇÃO Nº 3041/02-BACEN. REPUTAÇÃO ILIBADA NÃO COMPROVADA. SEGURANÇA DENEGADA. […]

  1. O fundamento do ato requestado foi a ausência da reputação ilibada do impetrante em decorrência do fato de sua conduta estar sendo objeto de investigação em processo administrativo, que lhe infringiu uma penalidade. Há que se saber que mesmo não estando concluído o processo, e estando pendente de recurso, com possibilidade de julgamento favorável ao impetrante, ainda assim, a reputação dele estaria maculada, não mais se configurando como ilibada.

  2. Não obstante o caráter subjetivo que envolve o conceito de reputação ilibada, ele sempre vai implicar em limpidez de conduta, na ausência de mácula e de impureza para sua configuração. Na hipótese vertente, ante a relevância do cargo a ser assumido pelo postulante, fica evidente que o processo investigatório a que ele está sendo submetido o coloca sob suspeita, o que não se compatibiliza com as exigências legais para o preenchimento do referido cargo. […]

  3. Diante das próprias circunstâncias em que se ergue o sistema financeiro nacional, que tem como pilar fundamental a confiança, não se pode prescindir do rigor dos critérios para se analisar o perfil daqueles que vão representá-lo perante toda a sociedade, razão pela qual, não se reveste de ilegalidade o ato apontado como coator. Apelação improvida. (TRF-5, Apelação nº 19236-68.2012.4.05.8300, Relator: Des. Fed. José Maria Lucena, Primeira Turma, Data de Julgamento: 27.03.2014, Data de Publicação: 04.04.2014, grifo nosso).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADES COATORAS. LEGITIMIDADE PASSIVA. CARGOS DE DIREÇÃO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO HOMOLOGAÇÃO DE NOME DE CANDIDATO ELEITO. REPUTAÇÃO ILIBADA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. […]

É cediço, na jurisprudência e doutrina pátrias, que o conceito de reputação ilibada é amplo e indeterminado, permitindo uma correlata avaliação discricionária da Administração Pública. Conquanto a prévia condenação criminal transitada em julgado seja imprescindível para o Estado forçar o acusado a cumprir pena privativa de liberdade, tal exigência não se estende à imposição de restrições de outra ordem (não criminal, ou seja, restrições administrativas, creditícias etc.), as quais não se equiparam a ‘execução provisória de decisão condenatória penal’, constituindo, antes, medida de natureza cautelar em prol do interesse público. (TRF-4, Apelação nº 5048060-62.2013.4.04.7000, Relatora: Des. Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha, Quarta Turma, Data de Julgamento: 01.07.2014, Data de Publicação: 02.07.2014, grifo nosso).

Outro questionamento é relativo a denominada lei de ficha limpa, muitos questionam que se o candidato detentor da chamada ficha limpa preencheria também o requisito da reputação ilibada?  dos apontamentos acima conclui se que o conceito de reputação ilibada  é  nitidamente mais rígido e abrangente  que o conceito de ficha limpa, introduzido pela lei complementar nº 135/2010,  eis que esta lei exige para que se configure como “ficha suja” a condenação confirmada ou exarada por órgão colegiado,  já o conceito de reputação ilibada não diz respeito à eventual condenação e sim a qualquer fato ou conduta que retire do postulante ao cargo público a condição de puro, intocado na sua reputação e conceito social e profissional;  assim aquele que é investigado por denúncias de corrupção , vem a ser formalmente denunciado e tem a denúncia recebida junto ao Poder Judiciário, passando à condição de réu em ação penal, embora ainda não julgado e condenado, sendo, pois tecnicamente um ficha limpa, não mais possui  reputação ilibada, eis que seu conceito foi severamente abalado pelo recebimento  da acusação.

 

ROBERTO TURIN é promotor de Justiça e presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público

 


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