Apesar da crescente disseminação de ideias feministas por todo o mundo, a classificação rasa – e completamente equivocada – do movimento como uma “guerra entre os sexos” ainda persiste. E não só entre os homens. Algumas mulheres também acreditam nisso, ao transferirem a competição travada no campo feminino para uma disputa com homens. Mas a essência do feminismo não é esta.
Partindo do ponto registrado pela História como primeira onda feminista, entre 1830 e 1900, tem-se a busca por direitos políticos das mulheres, os mesmos direitos já concedidos aos homens desde que o mundo é mundo. Os mesmos. Nem mais, nem menos. A ideia de que o feminismo surgiu para aniquilar os homens não é só absurda. É uma tentativa de desqualificar um movimento que ganha cada vez mais força e representa ameaça simplesmente por mover as estruturas.
O feminismo propõe a igualdade de gênero, a superação do sexismo. Ou seja, direitos iguais para homens e mulheres. Direitos políticos, econômicos, sexuais, sociais. No Brasil, por exemplo, as meninas só foram autorizadas a frequentarem escolas em 1827. A indignação de mulheres como Nísia Floresta Brasileira Augusta foi fundamental para ir além neste sentido. Em 1832, ela publicou o primeiro livro feminista brasileiro: “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”. A educadora tinha apenas 22 anos, mas uma postura combativa.
Livrou-se do primeiro casamento precoce – aos 13 anos – e, além das ameaças de processo pelo ex-marido, sofreu todo tipo de preconceito e desqualificação por parte da sociedade. Natural de uma cidade originalmente chamada Papari (RN) e que passou a ter o nome da escritora em 1948, ela fundou a primeira escola feminista, no Rio de Janeiro. Uma proposta totalmente revolucionária, que proporcionava às meninas conhecimentos de ciências, línguas, história, religião, geografia, educação física, artes e literatura, e não apenas bordado, contas básicas, português e francês, como o modelo limitado oferecido pelas demais escolas da época.
Nísia Floresta é uma dentre tantas outras que quebraram regras, romperam barreiras e se dedicaram à luta por equidade entre os sexos. Um amigo comentou comigo dias atrás: “Estamos tão atrasados, discutindo ainda sobre a legitimidade de alguns direitos que já deveriam estar reconhecidos. E deveríamos nos dedicar a pensar em como fazer para funcionarem”. Ele tem toda razão. Ainda estamos muito atrasados, e a onda conservadora que se expande no Brasil e no mundo tende a forçar um retrocesso ainda maior. Por isso, é importante conhecer e valorizar a histórias destas mulheres inspiradoras.
Também é fundamental lembrar que as mulheres lutam desde sempre, embora nem todos estes combates sejam reconhecidos da forma que merecem pela História. Angela Davis faz um resgate primoroso em “Mulheres, raça e classe”, que é essencial para a reflexão do nosso papel enquanto mulher na busca por uma sociedade sem preconceitos e discriminação racial. Há um ponto específico que retrata o racismo no movimento sufragista feminino, nos Estados Unidos, cuja tensão foi intensificada por volta de 1865.
Isso fica claro na medida em que Davis relata a defesa de mulheres brancas pelo direito ao voto, na época, enquanto os negros ainda sentiam os efeitos da escravidão, recém-abolida naquele país. Os homens negros também não tinham direito ao voto, e alguns registros demonstram análises superficiais e extremamente racistas com relação à questão por parte de algumas mulheres brancas que integraram o movimento sufragista.
O que quero dizer é que as questões sociais e raciais precisam ser repensadas e constantemente pautadas pelo movimento feminista. Compreender fatos históricos e reconhecer injustiças é extremamente necessário para isso, e para evitar que diminuam a força de uma legião de mulheres. E quando elas resolvem dar as mãos, ninguém segura. Neste Dia Internacional da Mulher, meu muito obrigada a todas que lutam, resistem e são luzes pelo caminho.
NARA ASSIS é jornalista e servidora pública estadual.