O Ministério Público Estadual (MPE) instaurou ação civil pública para apurar os atos que concederam estabilidade a Juraci Gomes Ribeiro, ex-sogro (falecido em 2015) do ex-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (AL), José Geraldo Riva. O motivo é que dois anos após sua morte, a viúva de Gomes Ribeiro, Nair Volpato Ribeiro, passou a receber pensão alimentícia do ex-esposo morto. Dona Nair também é parte do processo, ao lado da AL e do Estado de Mato Grosso.
Mas há mais, segundo a 36ª Promotoria de Justiça da Capital – Núcleo de Defesa do Patrimônio Público e Social e da Probidade Administrativa, há suspeita de que Juraci fora um funcionário fantasma do poder legislativo durante mais de uma década e teria se aposentado de maneira irregular no órgão utilizando um período de nada menos que 31 anos, sete meses e 28 dias como tempo averbado suspeito de ser fraudado.
Além disso, teria recebido 353% de aumento um dia antes de se aposentar, pois o salário dele, como oficial de apoio legislativo era de R$ 2.133,47 até que em 2002 a mesa diretora, presidida nesse tempo por Humberto Melo Bosaipo, incorporou ao salário do sogro do então primeiro-secretário os vencimentos de assessor parlamentar (AGP-10), cargo que ainda existe na AL e que tem remuneração de R$ 9.683,62.
Juraci trabalhou na Assembleia entre 1º de fevereiro de 1997 e 20 de abril de 2018, quando se aposentou. Foi a partir do levantamento da vida funcional dele é que as promotorias abriram os procedimentos.
A maior parte do período averbado para a concessão da estabilidade indevida, afirma o promotor Clóvis de Almeida Júnior, responsável pela ação, foi passado trabalhando na Câmara Municipal de Alto Piquiri (Paraná) em dois períodos distintos: entre 01 de janeiro de 1970 a 31 de dezembro de 1972, depois de 01 de janeiro de 1973 a 31 de dezembro de 1976. Depois, foi transferido para a Prefeitura Municipal de Juara (distante 695 quilômetros de Cuiabá e cidade base dos Riva), onde teria trabalhado de 30 de agosto de 1983 a 30 de dezembro de 1992, depois de 01 de janeiro de 1993 até 31 de dezembro de 1996.
Todo esse intervalo, entretanto, foi precedido pelo seu principal trabalho, na Prefeitura Municipal de Porto dos Gaúchos (distante 651 quilômetros da capital), onde teria passado um total de 11 anos, três meses e 26 dias, entre 03 de maio de 1965 e 31 de dezembro de 1969 e depois de 01 de janeiro de 1977 até 29 de agosto de 1983.
“Em face desta situação, Juraci Gomes Ribeiro, pelo processo administrativo nº 505/2001 que culminou com o ato n.º 1837/01, publicado no Diário Oficial do Estado em 01/04/2002, obteve a estabilidade excepcional no serviço público. Impende observar que o interregno em que o Sr. Juraci Gomes Ribeiro laborou na Assembleia Legislativa – 01/02/1997 a 02/04/2002 – foi substancialmente em cargos em comissão, como Secretário Especial, Secretário Extraordinário e Assessor Parlamentar, inclusive, no momento da aquisição de sua estabilidade anômala que, como mencionado alhures, ocorreu em 19 de dezembro de 2001”, consta da ação.
O processo que apura os indícios de irregularidades apareceu após a investigação preliminar aberta e assinada pela promotora de justiça Audrey Ility no dia 22 de outubro de 2018.
Além do aumento repentino do salário de mais de 353%, no dia seguinte ao “aumento” de R$ 9.683,62, o sogro de Riva foi declarado “estável” no cargo – mesmo sem prestar concurso público -, além de ingressar na carreira de técnico legislativo (outro benefício exclusivo aos servidores concursados), e também aposentado pelo Poder Legislativo de Mato Grosso. A promotoria de justiça desconfia que todos estes atos são irregulares.
“E, conforme extrato de vida funcional do servidor, este somente no ano de 2002 passou a ocupar cargo efetivo de Oficial de Apoio Legislativo na especialidade de Assistente Legislativo, ou seja, em um momento posterior à concessão de estabilidade excepcional que se deu em novembro de 2001”, continua Clóvis.
No mesmo processo, ele lembra que a concessão da estabilidade anômala a qualquer servidor, conforme fixado em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, além de estar condicionada à comprovação do exercício de pelo menos cinco anos ininterruptos de trabalho no mesmo ente público anteriores à promulgação da Constituição de 1988 (em 05 de outubro de 1988), deve estar em exercício de cargo efetivo ou contratado durante todo o lapso temporal exigido.
“Verifica-se que o Sr. Juraci Gomes Ribeiro, pelo Ato n.º 023/2002 – D.O 02/04/2002 –, obteve a aposentadoria no cargo de oficial de Apoio Legislativo, Referência 15, Nível 1, com proventos integrais. É notável o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que aqueles que fazem jus ao direito da estabilidade possuem somente o direito de permanecer no serviço público nos cargos em que foram admitidos, não tendo direito aos benefícios privativos dos servidores efetivos; Nesta senda, os servidores que não possuem o direito à estabilidade anômala, não poderiam ser efetivados em cargo de carreira e tampouco adquirir a aposentadoria pelo regime próprio de previdência social, como in casu”, considerou o propositor da ação.
O processo de aposentadoria do demandado, sempre de acordo com o MPE, jamais chegou ao Tribunal de Contas do Estado, mesmo quando solicitado pela Assembleia Legislativa para fins de análise da concessão do benefício de pensão por morte para a senhora Nair Volpato Ribeiro. “(…)Nada foi encontrado a respeito desse no âmbito daquela Corte de Contas, o que reforça a nulidade do ato que concedeu a aposentadoria do falecido”.
Para o promotor, ao agir assim, todos os envolvidos estão em “flagrante infringência à Constituição da República Federativa do Brasil” em seu artigo 37, inciso II; Constituição do Estado de Mato Grosso (artigo 129, II), Lei Complementar Estadual número 04/90 (artigo 13, caput), Lei Complementar Estadual n.º 13/1992 (artigo 25, caput) e ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (artigo 19 caput e inciso II).