"> Negra boa de serviço! – CanalMT

Negra boa de serviço!

Recentemente passei por uma situação bastante diferente do comum. Sim, já vivi e presenciei outras situações de racismo, mas sempre estive do outro lado, durante algum tempo tendo dificuldade em me posicionar e depois mais madura, tendo que agir e superar atitudes racistas, mas nunca em uma posição em que alguém pudesse esperar de mim uma atitude racista.

Ano passado mudamos de cidade e eu precisava encontrar uma diarista. Passei a pedir indicação com as poucas pessoas que conhecia, quando um senhor que estava fazendo reparos em casa me ouviu ao telefone e disse que teria uma pessoa para indicar, se poderia me passar o contato. Respondi que sim quando fui surpreendida pelo “só tem um problema, ela é negra, mas é boa de serviço e muito honesta”. Por um momento fiquei sem saber o que dizer, então sorri e respondi: eu também sou negra. Ele insistiu: não, mas ela é bem pretinha. Sorri novamente e respondi que tudo bem, isso não fazia diferença.

Pela simplicidade dele entendi que não era uma atitude “racista”. Me pareceu mais a preocupação ou cuidado de quem já teve uma experiência desagradável com a indicação de algum profissional a alguém racista e não gostaria de viver novamente, seja pelo constrangimento causado ao profissional indicado ou humilhação sofrida pelo contratante.

Mas, Kely esse exemplo é péssimo. Por que você está falando de diarista? A reflexão que quero trazer é a de que o racismo explícito nos choca e causa comoção, mas não é o mais comum. O racismo mais comum, mais presente no dia a dia, é o racismo velado e esse é o mais difícil de se combater.

É quando você não é escolhido para um projeto, não consegue o emprego ou se consegue tem uma remuneração inferior. Quando não consegue uma promoção por mais qualificado que esteja ou não consegue se qualificar para a promoção porque não consegue espaço para aprender e se desenvolver; quando os colegas, líderes, empresa e clientes, dificultam o avanço, tanto no preparo, quanto no trajeto e efetivação. Acontece quando você não é convidado para reuniões ou projetos de alta relevância ou quando consegue participar, mas não é ouvido. Essas situações nunca vêm acompanhadas com um NÃO porque você é negra. Geralmente vêm acompanhadas com “não é o momento”, “você ainda não está pronto”, “temos outra pessoa com perfil mais aderente”, e poderia citar tantas outras.

NÃO, não é MIMIMI! Já fui babá, doméstica e tive muitos outros trabalhos até chegar à gerência de importantes instituições financeiras no cenário nacional. Dentro dessas organizações participei de vários projetos relevantes, conquistei prêmios e resultados importantes. Por muitas vezes fui a única mulher e talvez a única negra. Não estou aqui afirmando que as organizações pelas quais passei são racistas. Estou afirmando que o que todos sabemos é que, quanto mais alto o cargo, mais escassa a presença de mulheres e de negros, mulher negra então é raridade.

Não é vitimismo, é realidade! E o que eu, você e nossas empresas estamos fazendo para mudar essa realidade?

Kely Freitas é economista formada pela Universidade Federal de Mato Grosso, com 15 anos de experiência no mercado financeiro. Empreendedora, é especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pós-graduanda em Gestão de Cooperativas pela FACCAT  (Faculdades Integradas de Taquara)Área de anexos


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